Omissão do poder público é destaque em relatório do CIMI

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apresentou nesta quinta-feira, dia 15, o relatório Violência contra os povos indígenas – dados de 2015. A omissão do poder público em relação à demarcação das terras tradicionais mais uma vez teve destaque como elemento causador de impactos na vida dos povos, além de motivar ataques no Mato Grosso do Sul, estado que registrou 20 assassinatos no período compreendido pelo material divulgado.

Por CIMI
(Fotos: Ruy Sposati)

relatorio_cimi-ruy-sposati_cimi1

O coordenador do Cimi regional Sul, Roberto Antonio Liebgott, explicou que a questão indígena no ano de 2015 foi marcada por três aspectos. A omissão do poder público, as atrocidades contra os povos indígenas e a devastação do meio ambiente.Sobre a omissão do poder público, Liebgott destacou a ausência de recursos básicos para comunidades inteiras que vivem à beira de rodovias e o desinteresse e morosidade nos processos de demarcação das terras. “Desde de 2012 houve uma definição por parte do poder publico que não se demarcariam mais terras no Brasil, tanto indígenas, quanto quilombolas. E essa decisão mantém comunidades nessas condições desumanas. Essas famílias vivem em condições de grupos de refugiados de guerra, é lamentável”, afirmou.

O relatório aponta 52 casos de desassistência a área da saúde, com três mortes. Também estão registrados 5 casos de disseminação de bebida alcóolica e outras drogas, 41 registros de desassistência na área de educação escolar indígena e 36 casos de desassistência geral. Em todo o Brasil, 599 crianças menores de cinco anos faleceram. As três principais causas das mortes foram pneumonia, diarreia e gastroenterite.

Territórios

Os conflitos relacionados à terra foram 18 e aconteceram ainda 53 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio dos povos indígenas. O estado do Maranhão contabiliza 33% desses casos.

A questão fundiária também está relacionada aos 20 assassinatos que aconteceram no Mato Grosso do Sul. No estado, parlamentares e empresários investem ofensiva contra o Cimi por sua atuação em favor das comunidades tradicionais. O total de pessoas assassinadas, de acordo com o relatório do Cimi é de 54, mas este número pode chegar a 137 em todo o país se considerados os dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Groso do Sul (Dsei-MS).

A antropóloga Lúcia Helena Rangel, uma das organizadoras do relatório, explicou que no relatório do Cimi os dados são contextualizados, apresentando a idade, o nome da pessoa e o contexto do ocorrido. Isso justifica, segundo a especialista, a diferença nos números dos órgãos oficiais e os apresentados no documento.

Um segundo aspecto apresentado pelo coordenador regional do Cimi diz respeito às atrocidades nas práticas de violências contra a vida. “Há relatos nesse documento que impactam pela crueldade. Nós tivemos vários casos no Mato Grosso do Sul em que pistoleiros contratados pelos fazendeiros atacaram acampamentos indígenas e lá praticaram as mais variadas formas de atrocidades”, disse Roberto Liebgott. Em 2015, apontou, houve aumento de práticas de tortura no contexto das violências e os casos têm influência de setores ligados ao agronegócio.

“A gente tem procurado analisar essa faceta da violência com cautela, mas eu acho que dá para concordar com o cientista político camaronês que fala da necropolítica”, disse Lúcia, lembrando da hipótese de que a soberania estatal reside no poder e na capacidade de decidir quem pode viver e quem deve morrer.

O terceiro aspecto indicado por Liebgott é a devastação do meio ambiente. “Em especial em 2015 nós assistimos, inclusive pela televisão, áreas na Amazônia, especialmente no Maranhão, sendo devastadas”, conta, lembrando da área indígena Awá Guajá que foi totalmente incendiada. “Foram 160 mil hectares de terra queimados, toda a vegetação destruída e nós não percebíamos no âmbito do poder público nenhum tipo de ação no sentido de coibir práticas criminosas de queimadas em terras que são áreas dos povos indígenas”, informou. O coordenador ainda contou que madeireiras estão se instalando no coração das áreas indígenas em Rondônia, no Pará e no Maranhão.

O subprocurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, membro da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (6ª CCR) do Ministério Público Federal, órgão que atua em questões relacionadas às Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, ressaltou a atuação do Cimi como uma das maiores instituições atuantes na realidade dos indígenas e que colaboram com a formulação de políticas públicas.

“Nós atuamos diretamente junto às comunidades indígenas, atuamos com a Fundação Nacional do Índio (Funai), com outras organizações não governamentais, mas é o Cimi aquela organização não governamental que mais consistentemente atua no país inteiro juntando, agregando informações e convertendo-as em material que permite a construção de caminhos e de políticas públicas”, afirmou.

Maia falou das dificuldades por que passa a Funai, dos empecilhos nos processos de demarcação de territórios tradicionais e refletiu sobre o documento apresentado anualmente pelo Cimi. “Esse importante relatório documenta a ponta do iceberg, aquilo que se consegue tornar visível, a violência física contra os índios, as mortes matadas, as mortes autoinfligidas pela quebra interior da vontade de viver e a prática do suicídio”, disse. O relatório Violência contra os povos indígenas aponta 87 casos de suicídio em todo o país registrados pela Sesai e pelo Dsei-MS, sendo que 45 destes ocorreram no Mato Grosso do Sul, especialmente entre os Guarani-Kaiowá.

relatorio_cimi-capa1

O sub-procurador ainda propôs um “mecanismo de alerta precoce”, uma ferramenta de comunicação para evitar fatos “potencialmente deflagradores dos direitos dos índios”. Tal meio seria usado pelas comunidades, entidades ligadas aos povos e órgãos governamentais. Maia ainda ressaltou o compromisso da 6ª CCR em agir nas várias dimensões relacionadas aos povos indígenas. O índio Guarani-Kaiowá Elson Canteiro contou a situação de seu povo na região de Caarapó (MS), lembrando dos ataques paramilitares e da pulverização de veneno nas “áreas de retomada”, como eles chamam o local em que já viveram comunidades indígenas em outra época e que é ocupado na intenção de reverter os processos de grilagem ou destinação indevida.

Números no relatório

654 terras indígenas aguardando finalização de processo de demarcação

18 conflitos relativos a direitos territoriais

53 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio dos povos

54 assassinatos (de acordo com a Sesai e o Dsei-MS, o número chega a 137)

31 tentativas de assassinato

12 casos de lesões corporais dolosas

13 casos de racismo

9 casos de violência sexual

87 casos de suicídio (entre 200 e 2015 foram registradas 752 ocorrências do tipo)

599 óbitos de crianças menores de 5 anos (pelo menos 99 crianças nesta faixa etária morreram vítimas de pneumonia, diarreia e gastroenterite)

plugins premium WordPress