Corpus Christi – Relembrando a Homilia de Dom Roque na XXXVI AGO

Há duas semanas, o laicato do Brasil realizava sua assembleia geral em Porto Velho (RO). Não podemos esquecer os mais diferentes momentos de vivência da fé e de animação do povo nas terras da Amazônia. Queremos relembrar o momento da celebração de Corpus Christi, com a linda e calorosa homilia de Dom Roque, nos chamando a reafirmar nosso compromisso como cristãos leigos e leigas, fortalecidos pela eucaristia a atuar como sal da terra e luz no mundo.

Por: Dom Roque

“Foi ele que fez jorrar água para ti da pedra duríssima, e te alimentou no deserto com maná, que teus pais não conheciam”. (Dt, 8, 16a)

Estas palavras do Deuteronômio fazem referência à história de Israel, que Deus fez sair do Egito, da condição de escravidão, e durante quarenta anos guiou no deserto rumo à terra prometida.

Uma vez que se estabelece na terra, o povo eleito alcança uma determinada autonomia, certo bem estar, e corre o risco de se esquecer das tristes vicissitudes do passado, ultrapassadas à intervenção de Deus e à sua bondade infinita.

As Escrituras exortam a recordar, a fazer memória de todo o caminho percorrido no deserto, durante a época da carestia e do desânimo. O convite consiste em voltar ao essencial, à experiência da dependência total de Deus, quando a sobrevivência estava confiada em suas mãos, para que o mundo compreendesse que “não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”.

Paulo está respondendo aos coríntios sobre o compromisso cristão nos banquetes sacrificais os pagãos. Pode um cristão participar deles? Todo fiel, diz Paulo, deverá responder diante de si mesmo e da comunidade. Paulo mostra que o pão eucarístico é sinal da unidade recíproca dos cristãos entre si e dos cristãos com Cristo. Portanto, participar dos banquetes com os ídolos é romper com a unidade com Cristo.

Além da fome física, a pessoa sente outro tipo de fome, uma fome que não pode ser saciada com o alimento comum. Podemos dizer fome de vida, de fraternidade, de dignidade. A nossa assembleia, com tantos rostos das diversas regiões do Brasil, cada participante traz no seu coração o rosto desfigurado de irmãos e irmãs que vivem situações limites, que clamam por vida e dignidade, rostos que o documento de Puebla e depois Aparecida nos lembram de que estão longe do sonho de Deus manifestado por seu amado filho: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância”.

Hoje é a festa da Eucaristia – Ele o pão vivo que dá vida – o seu corpo é o verdadeiro alimento. Seu sangue é a verdadeira bebida. Não é um simples alimento e o papa Francisco diz que é o pão dos últimos tempos, capaz de dar vida, e vida eterna, porque a substância deste pão é o amor.

Na Eucaristia comunica-se o amor do Senhor por nós. Um amor tão grandioso que nos nutre com Ele mesmo. A Eucaristia nunca pode ser um fato privado, reservado a pessoas que escolheram por afinidades ou por amizade. Também aqui nesta noite, vindos de tantas partes do país, não fomos nós que escolhemos, foi Deus que nos escolheu, e irmanados pela fé, fomos chamados a nos tornar um único corpo, partilhando o único pão que é Cristo.

Quero louvar e bendizer ao bom Deus pelo testemunho de tantos cristãos que vivem verdadeiramente como pessoas eucarísticas, geradoras de eucaristias. Por tantas eucaristias que cada um no dia a dia da labuta vão promovendo junto ao Cristo desfigurado e caído ao longo das estradas deste mundo. Cantamos várias vezes: “Receber a comunhão com este povo sofrido é fazer aliança com os oprimidos”, outro canto: “As lições que mais educam na eucaristia é que nos dais”. Quem conhece Jesus na hóstia consagrada, precisa reconhecê-lo no irmão que sofre, que tem fome e sede, que é estrangeiro, está nu, doente, prisioneiro… Paulo já alertava a comunidade de Corinto o risco do cristão viver a contradição ao receber a hóstia consagrada, mas não assumir o Cristo no desvalido do mundo. Peçamos a graça de apreender as lições que ele nos dá.

Mais do que nunca, o mundo espera de nós cristãos a coragem e a ousadia de romper com a lógica do mundo, do ter, do poder e do prazer. Peçamos a graça de nos deixar conduzir pelas lições Dele, Pão vivo descido do céu que veio para que todos tenham vida e vida em abundância. Estar no mundo não é uma equação simples, precisamos ter consciência de nossa pequenez, da nossa miséria, de nossa total dependência dele. “Sem mim nada podeis fazer” (Jo, 15,5).

Com toda a docilidade, queremos suplicar essa graça muito especial, que a vossa assembleia nas terras de Guaporé, seja iluminadora na construção de caminhos de esperança, sendo, pela força do batismo “sal da terra e luz do mundo”, numa Igreja em saída, servidora, samaritana, comprometida para que verdadeiramente todos tenham vida e vida em abundância.

Que Maria Santíssima, a mulher eucarística por excelência, nos anime para sermos homens e mulheres geradores de eucaristias no mundo sedento de amor.

Dom Roque Paloshi
A
rcebispo de Porto Velho, Rondônia

 

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