Os milionários tomaram todo o poder para si; os pobres têm direito sagrado à rebelião

Celebrar o Dia da Independência na perspectiva do 23º Grito dos Excluídos só é possível a partir de uma leitura correta do fato que hoje define o país: os ricos tomaram de assalto todo o poder institucional do Brasil no processo que culminou no golpe de Estado de um ano atrás. Não há espaço para os pobres no Poder Executivo, no Poder Legislativo, no Poder Judiciário ou no quarto poder, a Imprensa dita “tradicional”. Tudo é para os ricos; aos pobres, nem as sobras do banquete.

Por Mauro Lopes

As últimas semanas foram fartas em expressões simbólicas, condensadas, verdadeiras lições aos pobres sobre o que foi feito do poder institucional do país.

O símbolo do Poder Executivo são as malas de dinheiro de Geddel Vieira Lima, um dos principais articuladores do golpe e coordenador político do regime dos ricos até ser denunciado por outro ministro da quadrilha de Temer. Mais de R$ 50 milhões em dinheiro vivo nas malas, o que está longe de ser toda a fortuna amealhada por ele ao longo de sua carreira –há muitos outros bens, casas, empresas, carros, lanchas e dinheiro escondidos.  Romero Jucá, Moreira Franco, Eliseu Padilha, Antonio Imbassahy, Gilberto Kassab, Mendonça Filho, Raul Jungman, Ricardo Barros, Fernando Bezerra Coelho, José Serra, Aloysio Nunes, Marcos Pereira, todos os ministros escolhidos por Michel Temer e ele próprio são ricos e enriqueceram exatamente como Geddel.  Mais que ricos, são todos milionários.

O símbolo do Poder Legislativo é a pesquisa do economista André Calixtre, que demonstrou taxativamente: o patrimônio médio declarado de um senador é superior a R$ 17 milhões e o dos deputados federais e estaduais é de R$ 2,5  milhões. O Congresso Nacional e todo o Poder Legislativo é a casa dos ricos, e não a casa do povo. E este é o patrimônio declarado, o que não inclui malas de dinheiro como as de Geddel, rendas, patrimônio escondido em nome de terceiros –filhos, noras, genros, sogros, tios e laranjas em geral. Eles são na verdade muito mais milionários do que a pesquisa indica.

O símbolo do Poder Judiciário é a revelação de que os juízes recebem em média R$ 47.703,00 por mês. O Judiciário é o resultado dos recursos públicos que são assenhorados pelos juízes, tornando-os homens e mulheres ricos ou ainda mais ricos. Há milhares de juízes que recebem muito mais a média. Sérgio Moro, escalado para perseguir e condenar Lula, se apropria de algo como R$ 65 mil a R$ 77 mil todo mês; desembargadores ganham mais que R$ 100 mil mensais. O caso do juiz que recebeu mais de R$ 500 mil num único mês (aqui) está longe de ser o único. Essa dinheirama toda não leva em conta as viagens, congressos e todo tipo de boca livre e “delicadeza” que os juízes recebem de empresários e associações empresariais. Isso sem falar nos casos de vendas de sentenças sobre os quais reina uma pesada cortina de silêncio e que tornam um número não sabido de juízes em super milionários.

O símbolo do poder Imprensa é a campanha persecutória que todos os veículos pertencentes às sete famílias (Marinho, Frias, Mesquita, Civita, Sirotsky, Saad e  Alzugaray) movem contra Lula há anos, sem cessar. A imprensa é o consolidador propagandístico do poder dos ricos e a “amarradora” ideológica da ideia do “direito” à fortuna. Além de seus proprietários serem milionários graças aos recursos públicos que embolsam em subsídios, publicidade e por diversos outros meios.

É uma teia. Banqueiros, empresários, parlamentares e altos funcionários do Legislativo, juízes e a elite do Judiciário, ministros, secretários e outros membros da cúpula do Executivo, promotores, procuradores, delegados, altos executivos, jornalistas, grandes proprietários de imóveis urbanos e rurais… Todos eles, cerca de 2 milhões de pessoas, convergem para um único e grande interesse comum: embolsar os recursos do Estado e todas as riquezas do país para si e impedir os demais 206 milhões de brasileiros e brasileira de terem acesso a qualquer fatia desses recursos e riquezas.

Eles têm um programa urgente: liquidar os direitos trabalhistas e a Previdência Social, privatizar tudo o que possa ser rentável, entregar o solo e o subsolo do país ao capital internacional, cortar todos os investimentos sociais que eles definem como “privilégios indevidos” aos pobres, vetar o acesso de pobres, especialmente negros e indígenas à Universidade e garantir que os recursos do Estado sejam prioritariamente direcionados aos juros da dívida pública, toda ela nas mãos daqueles 2 milhões de pessoas, os rentistas.

Para executar este programa, os milionários  que controlam o poder de Estado mobilizam-se num ativismo ímpar. O Legislativo aprova as leis; o Executivo dá consequência a elas ou endereça as medidas de interesse dos milionários para aprovação no Congresso, num jogo a quatro mãos; o Judiciário garante a cobertura legal e sobretudo que toda a contestação ao governo dos ricos seja criminalizada -para isso age, mantendo Rafael Braga, pobre, preto e inocente na cadeia, soltando os assassinos de sem terra e indígenas, garantindo a impunidade dos policiais-capitães do mato que massacram os pobres, perseguindo as organizações populares como o MST, o CIMI, o MTST e outras.  A imprensa garante que a verdade seja mantida à distância da população e dissemina a versão que garante o poder e a hegemonia do seu grupo.

Qualquer ação que conteste o poder dos ricos é imediatamente definida como “antidemocrática” ou “atentado à democracia” e combatida, reprimida ferozmente. A isto reduziu-se a democracia, que um dia se pretendeu construtora de consensos e canal para gestão de conflitos e hoje é mera capa para o governo monocrático dos ricos.

O que cumpre aos pobres?

Resistir. Organizar-se. Sublevar-se.  Inspirar-se nos valentes dos quilombos que vieram antes, nos libertários de todos os tempos; cultivar a esperança.  É hora de acorrer às organizações pobres dos pobres, é hora de tomar coragem para ir às ruas, de atuar em redes de solidariedade e colaboração.

Há vida em abundância, escondida sob a inundação das mídias e poderes dos ricos. Nas comunidades de base que começam a reunir gentes de todos os credos nas periferias, nos núcleos do MST, nos sindicatos, no MTST, nas organizações multirreligiosas como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Pastoral Carcerária, nas iniciativas de economia criativa, ecológica  e horizontal vinculadas à agroecologia como a Teia dosPovos e as práticasque se disseminam nos acampamentos do MST.

Há iniciativas localizadas e nacionais. Mas há também as regionais e globais, como o EncontroMundial dos Movimentos Popularesconvocado a cada ano pelo Papa, o Fórum Social Mundial (FSM), a Via Campesina ou o Movimientode Afectados por Represas en América Latina (MAR).

São dois projetos. O do deus-dinheiro. E o do Deus da vida. O deus-dinheiro dos ricos tomou o poder no Brasil. O Deus da vida abençoa os pobres e sua rebelião, a sua sublevação -e anima seu projeto de solidariedade e de partilha.

Os ricos tomaram o país para si. Farão de tudo para impedir os pobres de mudarem a história.

Aos pobres cabe mudá-la.

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