A Grécia, o mercado e a urna

“No Brasil, os economistas de mercado e colunistas de jornalões entregam-se a digressões peregrinas sobre a crise do euro. Crise do projeto europeu, sim, não apenas da Grécia. Os articulistas e os sabichões do mundo da finança apontam o dedo para a irresponsabilidade de governos e de consumidores entupidos de dívidas”, constata Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, em artigo publicado por CartaCapital, 07-07-2015.

Segundo ele, “essas invectivas moralistas escondem o essencial: não há devedores sem credores. Há quem ainda acredite na excelência técnica dos modelos de avaliação de risco dos grandes bancos e demais instituições financeiras, para não falar das temidas agências de rating. Tão sólidas são as crenças na eficiência dos mercados financeiros quanto indispensáveis as intervenções dos bancos centrais e dos Tesouros Nacionais para salvar os “competentes” da bancarrota”.

Eis o artigo.

Às vésperas da admissão da Grécia no clube da moeda única, o poderoso Goldman Sachs assessorou o governo grego na manipulação de dados fiscais, aproximando a dívida e o déficit dos critérios de Maastricht. As instituições europeias compraram como boa a mercadoria estragada recomendada pelo Goldman.

Diante da chancela das instituições de Bruxelas e de Frankfurt, os bancos alemães, franceses e holandeses desandaram a financiar gregos, troianos, espanhóis, portugueses, irlandeses e tutti quanti.

A introdução do euro concedeu aos periféricos as vantagens da emissão de dívidas na moeda comum.

Com o desaparecimento do risco cambial, essa prerrogativa garantiu aos países mais frágeis spreads bastante razoáveis sobre as taxas de juro pagas pelos títulos do governo alemão.

A prodigalidade dos devedores-gastadores encontrou assanhada cupidez por parte dos credores-provedores de empréstimos. Os bancos alemães, franceses, holandeses e suecos não perderam tempo e cuidaram de financiar generosamente as famílias gastadoras e os governos “imprudentes”.

Em 2010, a crise do euro fumegava. As chamas da moeda única crepitavam com mais força nas terras da Acrópole. Em entrevista recente, o economista americano Michael Hudson revelou um episódio enterrado nos subterrâneos e subterfúgios da vergonhosa história financeira das últimas quatro décadas.

Pasmada diante da situação de insolvência do país, a missão do FMI teria sugerido uma reestruturação da dívida grega e advertido a direção do Fundo para as terríveis consequências da imposição de um programa de austeridade destinado ao fracasso.

O então diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, ainda pré-candidato à Presidência da França, teria escolhido – diz Hudson – proteger os interesses dos bancos franceses. Repudiou a avaliação da equipe técnica do Departamento Europeu do Fundo Monetário. Os economistas mais qualificados pediram demissão e concederam entrevistas arrasadoras a respeito dos modelos de ajustamento que antecipavam a capacidade de pagamento da Grécia.

O Fundo embarcou de corpo e alma nos programas de ajustamento na companhia do BC e da Comissão europeias. Na quarta-feira 24 de junho, o editor de economia do jornal The Guardian, Larry Elliott, recuperou a trajetória dos programas de austeridade impostos à Hélade e demonstra não só o completo fracasso das medidas como também os erros crassos de previsão do FMI & Cia.

Como é de praxe, diz ele, os Três Patetas vão repetir as previsões otimistas a respeito das virtudes da austeridade: a explosão de confiança vai promover o investimento, estimular o crescimento e reduzir o desemprego. Elliott dispara: “Para variar, eles estão errados. A recessão vai se aprofundar e a crise estará de volta. Em 2010, quando se envolveu com o ajustamento da economia da Grécia, o Fundo Monetário prognosticou uma queda de 6% do PIB seguida de recuperação já em 2011. A economia em queda livre, o FMI repetiu a dose em 2012 e, ainda uma vez, preconizou uma rápida recuperação. Resultado: entre 2012 e 2014, o PIB da Grécia sofreu contração de 25%”.

Hudson lembrou que os argumentos esgrimidos pela Troika são os mesmos utilizados há 90 anos pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial para espremer os alemães no espartilho das Reparações.

Os gregos têm de pagar, exigem os Três Patetas, que mais uma vez assumiram a dívida para limpar a gororoba grega do ativo dos bancos eficientes. “Qualquer economista que estudou história econômica sabe que isso é suicídio.”

No Brasil, os economistas de mercado e colunistas de jornalões entregam-se a digressões peregrinas sobre a crise do euro. Crise do projeto europeu, sim, não apenas da Grécia. Os articulistas e os sabichões do mundo da finança apontam o dedo para a irresponsabilidade de governos e de consumidores entupidos de dívidas.

Essas invectivas moralistas escondem o essencial: não há devedores sem credores. Há quem ainda acredite na excelência técnica dos modelos de avaliação de risco dos grandes bancos e demais instituições financeiras, para não falar das temidas agências de rating. Tão sólidas são as crenças na eficiência dos mercados financeiros quanto indispensáveis as intervenções dos bancos centrais e dos Tesouros Nacionais para salvar os “competentes” da bancarrota.

Nota da Redação: em comunicado divulgado na quinta-feira 2, o FMI reconheceu que a dívida grega é insustentável, requer 20 anos de não pagamento e fundos adicionais de 60 bilhões de euros, mas fará novas exigências.
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