Covid-19: A banalidade da morte e a fragilidade humana

Não é novidade o desrespeito ao semelhante tem se tornado algo corriqueiro em nossos dias. Nunca antes demos tanta atenção às realidades de injustiça e abusos de autoridade como agora.

Por: Robson Ribeiro de Oliveira Castro

Talvez isso se dê pela forma como temos acesso as informações nos dias atuais e, por estarmos, ou deveríamos estar, em isolamento social decorrente da pandemia da Covid-19.  Algumas notícias nos assustam diante de um cenário de desprezo e falta de ética, entretanto nos chama a atenção devido a forma que o ser humano tem sido tratado e trata o seu próximo.

O Brasil tem se mostrado despreparado para enfrentar essa realidade do Coronavírus. Apesar dos esforços de muitos profissionais da saúde e da parte mais consciente e responsável das autoridades públicas, ao invés de medidas efetivas de prevenção nos deparamos com a postura equivocada que ignora a gravidade dos problemas e se esforça para escondê-lo, maquiando os números de mortos. A leitura atenta de Hannah Arendt nos ajuda a refletir sobre as dificuldades que enfrentamos e o caminho para a exaltação da violência em detrimento à vida humana.

Não podemos nos acostumar com as mortes, nem ignorar as vítimas desta pandemia. Não podemos negar os fatos, e é preciso ter presente a dignidade da vida humana: vidas importam sim!

A vida é o dom mais precioso que nos foi doado. Ela vem sendo desprezada diante do descaso das autoridades. Hoje, diante dessa pandemia, temos de lutar pela vida. Ela não pode ser tratada como uma mercadoria, como algo descartável diante da lógica capitalista, muito menos reduzida a uma moeda de troca, ou ainda, não pode ser instrumentalizada pela visão consumista, antiética, de um capitalismo que só visa o lucro e negligencia os direitos humanos.

Os corpos vitimados pelo vírus vão se avolumando e a contagem chega a índices alarmantes. Já ultrapassamos os 260.000 mil mortos. Os números de mortos no Brasil só aumentam e esta realidade denuncia a fragilidade humana. Não são apenas números, são vidas humanas, histórias, famílias.

O Documento de Aparecida, no seu número 44, nos apresenta uma realidade importante: “vivemos uma mudança de época, e seu nível mais profundo é o cultural. Dissolve-se a concepção integral do ser humano, sua relação com o mundo e com Deus”. Mas, estamos atentos a esta realidade e certos de vivermos uma mudança estrutural e cultural? Pois, o descaso para com as mortes pelo novo Coronavírus denuncia uma sociedade brasileira fria e calculista, que não se incomoda com os milhares de mortos.

A exclusão, por qualquer que seja a categoria, não condiz com o respeito e ao amor anunciado por Cristo. É importante ter presente a realidade da vida e nossa condição humana. Somos desafiados a aprender a viver e conviver como irmãos, alargar a solidariedade humana, na busca da dignidade de vida para todos. Para uma mudança é preciso vencer individualismo, não se fechar em si mesmo, mas abrir-se solidariamente aos sofredores.

A parábola do Filho Pródigo revela o rosto de um Deus misericordioso. Um pai que espera o filho chegar, independente da sua condição e dos atos que tenha praticado no passado. A parábola é um apelo a rever nossas relações humanas para que sejam pautadas no caminho da ética. Nossas obras devem falar por nós e nos colocar na linha de frente de defesa da vida em qualquer situação.

Que as mortes não sejam tratadas apenas como números, são vidas humanas, pessoas que tiveram suas vidas abreviadas pela pandemia. Que esta triste realidade acenda em nós a atitude ética e solidária de socorro aos ameaçados. Não sejamos indiferentes diante da morte. Se somos filhos de Deus, somos irmãos. A liberdade e a responsabilidade de nossos atos têm que ser pautadas no amor. A solidariedade é que dirá se, fato, somos irmãos.

O teólogo basco José Antonio Pagola, em seu artigo “A vida é mais do que o que se vê” nos fala que: “Jesus teve que ensinar a seus discípulos a captar a presença salvadora de Deus (…) a vida é mais do que se vê. Enquanto vivemos de maneira distraída, sem captar nada de especial, algo misterioso está acontecendo no profundo da vida em segredo. ”

É a partir desta concepção que devemos observar na realidade o que temos de bom e como tratar o outro, como ser amigo e acolhedor em momentos e dor e perda como o que vivemos agora com a pandemia da Covid-19.

Jesus deve ser nosso exemplo a ser seguido pela sua ética, seu comportamento e seu caráter. Ele assumiu seu modo de ser mesmo em uma sociedade contrária a tudo que ele pregava. Ele veio transformar o mundo, começando com a sociedade de sua época. Assim, tratar o próximo com respeito, é fazer valer os mandamentos de Deus frente a realidade vivida.

É preciso cultivar o caminho ético e que a nossa conduta moral, seja pautada pelas regras aplicadas no cotidiano e que devem ser respeitadas por cada um, principalmente, neste período de distanciamento e isolamento social.

Robson Ribeiro de Oliveira Castro – Leigo, casado, pai da Emília e do Francisco. Mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em BH. Membro do Conselho Regional de Formação (CRF) – LESTE II do CNLB.

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