Teólogos das comunidades, Francisco quer escutá-los!

A convocação pelo Papa Franciscode uma Assembleia Eclesial para América Latina ao invés de uma Conferência Episcopal é muito significativa do ponto de vista da participação. Uma assembleia possibilita que se ouça a voz de todo o Povo de Deus constituído por Cristo para a comunhão de vida, caridade e verdade(LG 9).

Autor: Rogério da Silva

Colaboração: Lula Ramires

O Papa Francisco faz, assim, um retorno às primeiras comunidades nas quais mulheres e homens cristãos eram chamados a exercer um papel ativo, assumindo como sua a missão da Igreja. Não havia, naquela época, nenhum tipo de distinção clerical pois o anúncio da Boa Nova de Jesus e o sacerdócio eram comuns a todos e todas.

Clemente de Roma em sua carta aos Coríntios, por volta do ano 96,utiliza pela primeira vez o termo “leigo” para diferenciá-lo dos presbíteros ordenados. É a partir desta distinção que começa a se formar o pensamento hierárquico, onde uns passar as ser considerados mais importantes do que os outros.

O tempo passa e a distância entre ordenados e leigos cresce. Com isso,a vida comunitária que era horizontal e circularcom Cristo ao centro vai se tornando piramidal. Cristo então sai do lugar central, no meio da comunidade e para onde todos tinham seus olhos fixose ocupa agora o topo da pirâmide. Neste novo modelo de Igreja, há uma suposta maior proximidade de Cristo – e, consequentemente, maior poder – que resulta da posição de quem está mais perto do ápice dos níveis hierárquicos.

O Magistério da Igreja dava sinais de um olhar mais atento à participação dos leigos e leigas na missão evangelizadora, mas é somente por ocasião do Concilio Vaticano II(CVII) que há uma real conscientização e umverdadeiro despertar em relação à importância e ao papel crucial exercido pelos fiéis leigos e leigas.

O documento do CVII que tem um olhar mais profundo sobre a participação laical na missão da Igreja é aLumenGentiun (Luz dos Povos).Em seu capítulo quarto, afirma que pelo batismo leigos e leigas são participantes do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, algo que até então era visto como exclusivo dos ministros ordenados. Amplia-se assim a visão da ação missionária de leigas e leigos dentro e fora da Igreja (LG 31).

O laicato é, portanto, convocado a nutrir a fé e animar as comunidades onde não há ou é negada a presença de um diácono ou presbítero. Ouvindo a voz do próprio Cristo, leigas e leigos podem“avançar para águas mais profundas” (Lucas 5,4) aumentando vigorosamente o conhecimento de sua fé epartilhando-o com os irmãos e irmãs. Firma-se assim o entendimento de que o aprendizado inicial na catequese, quando ainda somos crianças, já não é mais suficiente. Há uma necessidade, uma sede de aprofundamento.

Deste modo, os cursos universitários de teologia deixam de ser frequentados apenas por seminaristas e noviços religiosos. Debruçar-se sobre os estudos teológicos em toda a sua extensão e riqueza, juntamente com a forte experiência comunitária dos círculos bíblicos, permite um grande amadurecimento da fé e da missão profética de ser sal da terra e luz do mundo, como nos ordena Cristo.

Passada a primavera do CVII, seguida de um período de inverno – isto é, de fechamento e de resistência à renovação na Igreja –, teólogas e teólogos leigos são colocados na “geladeira”, ou seja, deixados de lado, sua vivência cultural que questiona a empoeirada teologia tradicional já não é mais bem vista. Volta-se à situação na qual o que vale é a autoridade do ministro ordenadoque se sobrepõe à superficialidade de uma féadquirida na infância.

Eis, portanto, a importância desta Assembleia Eclesial convocada pelo Papa Francisco que dá voz à vivência e aos saberes de homens e mulheresque constroem no dia a dia ascomunidades de partilha, oração e ação transformadora. Elas e eles com certeza querem e têm muito a dizer, a propor. Os teólogos e teólogas das comunidades de base representam uma brisa de frescor nesta nova primavera da Igreja inspirada e conduzida pelo Papa Francisco.

Autor: Rogério da Silva é teólogo e pós-graduado em história afro-brasileira e indígena e coordenador da comissão de formação e teologia do CLASP – Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo.

Colaboração: Lula Ramires é tradutor técnico, mestre e doutor em Educação pela USP. É membro do Grupo de Ação Pastoral da Diversidade de São Paulo (LGBTs católicos).

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